O egresso do sistema prisional merece uma segunda chance. A afirmação foi consenso entre os participantes do Debate AmpliAção, promovido pelo Ampliar – presidido por Maria Helena Mauad -, na manhã do dia 23/4 na sede do Secovi-SP, com as palestras de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista; Chinaider Pinheiro, do AfroReggae; Alencar Burti, presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae; e Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP.
“Estamos convictos de que, se a sociedade não assumir a responsabilidade de reinserir esses cidadãos pelo caminho do emprego, dificilmente a criminalidade será reduzida. Aquele que cumpre sua pena, ainda que verdadeiramente imbuído de não mais reincidir no erro, acaba não tendo condições de se reerguer”, afirmou Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP, que lançou oficialmente o projeto “Construindo uma Segunda Chance”, resultado da parceria entre o Sindicato, o Ampliar e o AfroReggae.
Garantir aos egressos do sistema penal uma segunda chance não é só uma questão de humanidade, mas de inteligência, disse Bernardes, salientando que “mediante oportunidades concretas de formação profissional, emprego e renda, muitos vão optar por uma vida digna, sem a sombra do medo, sem disposição para novos delitos. Foi com esse espírito que resolvemos somar esforços e oferecer às empresas do setor imobiliário a possibilidade de dar àqueles que erraram novas oportunidades”, destacou.
Escola do crime – Maria Helena Mauad, presidente do Ampliar, disse que o projeto tem tudo a ver com a instituição, que há 23 anos atua na formação profissional de jovens e adolescentes em situação de risco. “Se esse jovem não é resgatado a tempo, o fim dessa trajetória de dores e incertezas é a morte ou a punição, que pode vir com a internação em centros de atendimento socioeducativos que, em muitos casos, se assemelham às prisões, e funcionam como ‘escola’ para uma das tantas penitenciárias espalhadas no Estado.”
“Com esse projeto, estamos ampliando nosso caminho de formação profissional, amparo, apoio e confiança no ser humano”, reiterou Maria Helena, que citou números do Ministério da Justiça, segundo o qual o Brasil contabiliza cerca de 550 mil detentos, sendo que 70% acabam voltando para o crime por falta de oportunidades. Nos últimos 20 anos, a população cresceu 30% e o número de presos mais de 380%. Mensalmente, são libertados 1.800 presos no País. Destes, 630 somente no Estado de São Paulo. Sessenta e cinco por cento dos egressos têm até 34 anos.
Um deles é Chinaider Pinheiro, que relatou sua experiência no mundo do crime e como ingressou no AfroReggae, no qual é coordenador do projeto de empregabilidade. Após comandar o tráfico em cinco favelas do Rio de Janeiro e cumprir mais de oito anos de detenção, ele escolheu deixar a vida do crime para integrar o AfroReggae. Hoje, além de coordenar o projeto, ele estuda Direito. “Deixei para trás uma vida de crimes que me levaria à morte”, contou Chinaider, que comemorou os resultados do programa no Rio de Janeiro. “Encaminhamos, mensalmente, entre 50 e 70 egressos para o mercado de trabalho. Quando um ex-detento procura o projeto é porque ele quer mudar de vida.”
Porta aberta – Há um ano, o AfroReggae chegou em São Paulo e, desde então, só conseguiu a recolocação de 10 egressos, informou Chinaider. “Nós temos que parar de jogar a responsabilidade da segurança pública somente no Estado. Como cidadãos, nós também somos responsáveis e, para diminuir e combater a criminalidade, temos de dar a oportunidade para o egresso do sistema prisional. Se não fizermos isso, a única porta que fica aberta 24 horas é a do crime. No tráfico, eu ganhava de R$ 32 mil a R$ 40 mil por mês, mas sou mais feliz agora, com meu salário bem menor, porque tenho paz e cidadania de volta”, declarou.
Para o advogado criminalista, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira , estamos vivendo um momento muito difícil. Segundo ele, questões sociais e éticas estão sendo postas à luz e surgem pelo litígio de ter ou não ter. “Esse litígio está na raiz de, pelo menos, um tipo de crime: o violento. A sociedade é geradora de fatores criminógenos. Porque o crime não foi criado pela lei e sim pela sociedade. Ele é gerado, fortificado e frutificado no seio da sociedade. Somos, coletivamente, responsáveis pela prática dos assaltos e pelos altos índices de criminalidade”, defendeu Mariz.
Contudo, isso não significa que o agressor não deva ser punido. “Agora é evidente que essa punição não é eterna. Por solidariedade humana ou por uma questão egoística de autopreservação, nós precisamos cuidar do egresso”, opinou o criminalista.
Enxugando gelo – “Nós nunca procuramos entender e evitar o crime no Brasil. Nós sempre clamamos por punição”, disse Mariz, criticando a diminuição da responsabilidade penal. “Ao invés de postular a prisão do menor de 16 anos, devemos cuidar das crianças para que não venham a nos assaltar futuramente. Temos que evitar que o crime ocorra. Estamos enxugando gelo há 70 anos ou mais”, afirmou, defendendo uma ação favorável ao egresso.
Para Mariz, “não se combaterá o crime, exclusivamente, punindo”. Segundo ele, há somente o investimento alto na construção de novos presídios. “Não se investe na liberdade nem no egresso que já cumpriu sua obrigação com a sociedade. Continuamos na inércia com a agravante da mídia, que descobriu no crime um bom produto rentável e que dá ‘ibope’. Há uma preocupação com a dramatização e teatralização do crime. A mídia deveria analisar o crime como estratégia e não como espetáculo. E nós aceitamos isso. Perdemos nosso poder de crítica e de indignação.”
Mariz demonstrou preocupação com o futuro. “O que será o Brasil dos nossos filhos e netos se continuarmos diante do fenômeno criminal a clamar por cadeia. Lei penal não impede crime, ela estipula sanção do pós-crime”, destacou, chamando a atenção para o caráter intimidatório e de recuperatório. “A pena é apenas castigo. O que recupera é a mão estendida, o apoio e a extração das virtudes em prol daqueles que já cumpriram a pena. Piedade, solidariedade, bondade, compreensão, amizade são as únicas coisas que resolvem. Por isso, o Ampliar merece todos os elogios pela obra em benefício das crianças e jovens”, destacou Mariz, dirigindo-se à Maria Helena Mauad.
O presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae, Alencar Burti, reforçou: “não podemos transferir a responsabilidade. Precisamos atuar e mudar o que está errado. Devemos ser semeadores e cultivadores de bons princípios. A mudança é difícil e desafiadora, mas precisa ser incorporada, criando uma nova mentalidade”, afirmou, parabenizando pelo lançamento do programa e disponibilizando uma sala de aula no Sebrae para os egressos.
Em seguida, sob a mediação da jornalista Filomena Salemme, os participantes puderam esclarecer suas dúvidas com relação à empregabilidade dos egressos do sistema carcerário e o funcionamento do programa.